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31/10/2019

O cruzeiro das sardinhas

A expedição marítima já chegava a seu oitavo e penúltimo dia e, até ali, nada de sardinhas. Quando a sonda indicou a proximidade de um cardume, a traineira rapidamente cercou a área e lançou a rede. As primeiras sardinhas-verdadeiras começaram a surgir, e a tripulação fez uma festa. Afinal, nada menos que 15 pesquisadores aguardavam ansiosos por este momento: estavam a bordo justamente para coletar e analisar amostras da espécie.

Até se deparar com a Sardinella brasiliensis, o cruzeiro científico do projeto Multisar já havia navegado por cerca de 700 quilômetros dentro de sua área de distribuição – que vai do Cabo de São Tomé, no Rio de Janeiro, ao Cabo de Santa Marta Grande, em Santa Catarina. A espécie, porém, só foi encontrada no extremo Sul do país, próximo à divisa com o Uruguai. Uma região que, tradicionalmente, não faz parte de seu habitat.

“O fato de não termos encontrado nosso objeto de estudo também é um resultado. Por que a sardinha-verdadeira não estava na área onde deveria estar? Esta é a fase em que estamos agora, de pegar todos os dados, discutir e interpretá-los”, explica o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e coordenador técnico do projeto, Stefan Weigert, que liderou a expedição. Segundo ele, há indícios de que as mudanças climáticas estejam por trás do enigma, que já é notado há pelo menos uma década.

“O que estamos observando é que está havendo uma ampliação da área de ocorrência da espécie. E isso pode ser motivado por um provável aquecimento nas águas, permitindo que as sardinhas ocupem essa região”, explica. “Se 10 anos atrás eu falasse que encontrava sardinha-verdadeira no estado, iam me chamar de louco. Hoje a frota pesqueira daqui já tem feito capturas comerciais de até 17 toneladas”.

Qualquer alteração relacionada às sardinhas-verdadeiras é motivo de atenção. Afinal, desde o século XX a espécie carrega nas costas o título de um dos principais recursos pesqueiros de todo o Brasil. Portanto, se o peixe é afetado de alguma forma, ele também afeta grande parte da população e da economia, tendo em vista a imensa cadeia socioeconômica ligada à sua captura.

O Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, apoiou o cruzeiro científico proposto pela equipe do subprojeto Multisar. A iniciativa colocou no mar duas embarcações: um navio de pesquisa da FURG e uma traineira da frota local especializada na pesca da sardinha. A ideia era que durante dez dias – entre 22 de março e 2 de abril de 2018 – fossem coletadas amostras da espécie para uma série de análises, algumas delas inéditas.

É o caso, por exemplo, dos estudos de parasitologia, que até então não haviam sido feitos com a Sardinella brasiliensis. A pesquisa constatou a presença de parasitas em 100% das amostras coletadas. Mas esta não é necessariamente uma notícia alarmante. Weigert lembra que todos os seres vivos são hospedeiros de parasitas, inclusive nós humanos. E que a recomendação, neste caso, seria evitar comer aquele clássico peixe fresco que acabou de sair do mar e submetê-lo, antes, ao congelamento e à cocção. “Isso resolve grande parte do problema”, diz.

Outro perigo à saúde humana analisado pelo projeto diz respeito à contaminação da sardinha-verdadeira por metais pesados. A equipe do Multisar chegou à conclusão de que os níveis encontrados nos animais estão dentro do permitido pelos órgãos internacionais de vigilância sanitária.

Para deixar o retrato ainda mais completo, uma parte das amostras coletadas na expedição foi repassada à equipe de outra iniciativa também apoiada pelo Projeto de Pesquisa Marinha e Pesqueira, o Petrosardinha. Desenvolvida por cientistas do Laboratório de Estudos Marinhos e Ambientais (LabMAM) da PUC-Rio, a pesquisa avaliou a contaminação orgânica e por hidrocarbonetos (originados da indústria de petróleo) na sardinha-verdadeira.

Trabalhando com o assunto desde a década de 1990, foi a primeira vez que o LabMAM dedicou essas análises à sardinha-verdadeira. Para complementar as amostras conseguidas com o cruzeiro do Multisar, a equipe do Petrosardinha aproveitou o 1o Seminário do Projeto de Pesquisa Marinha e Pesqueira, realizado pelo FUNBIO em março deste ano, e fechou parceria com vários outros subprojetos.

“Com os contatos que fizemos durante o seminário, conseguimos seis amostras de diferentes lugares e pescarias, tendo uma maior representatividade regional”, diz o coordenador da iniciativa, Renato Carreira. Segundo ele, os dados sobre os contaminantes ainda são preliminares, mas ele mantém o otimismo: “Acho que dificilmente vamos encontrar concentrações mais elevadas de hidrocarbonetos, mesmo porque as sardinhas conseguem metabolizá-lo”, afirma.

Como o levantamento é pioneiro, ele espera chegar a um valor inicial de referência para que esse tipo de análise continue sendo feito constantemente daqui em diante, permitindo comparações que podem indicar aumento ou diminuição dos contaminantes ao longo do tempo.

Dados frescos, portanto, é o que não falta para a sardinha-verdadeira. Mesmo depois de tanta angústia para encontrá-la durante o cruzeiro científico. “Após toda a dificuldade que tivemos, quando nos reunimos para que cada grupo de pesquisadores apresentasse seus resultados, entendemos que tínhamos dados muito relevantes”, comemora o coordenador, Weigert. “Estamos até com a ideia latente de publicar um livro”.

Produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a Newsletter Linhas do Mar

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