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Mentoria e formação fortalecem o protagonismo das organizações indígenas no 5º ciclo do Fundo Kayapó
Criado em 2011 como mecanismo financeiro de longo prazo e de natureza filantrópica, o Fundo Kayapó surgiu para contribuir com as comunidades mebêngôkre através do investimento em projetos. Temas como gestão ambiental, monitoramento territorial, implementação de sistemas agroflorestais e desenvolvimento de cadeias produtivas são eixos de atuação fundamentais para a manutenção dos modos de vida e o fortalecimento das organizações que representam o povo mebêngôkre e é por meio destes eixos que os projetos criados no território são inscritos, avaliados e contemplados.
Localizado no centro do Arco do Desmatamento, o bloco Kayapó ocupa 10,5 milhões de hectares entre os estados do MT e PA. Neste 5º ciclo de investimentos, além das três principais organizações mebêngôkre (Associação Floresta Protegida – AFP; Instituto Kabu – IK e Instituto Raoni – IR), o Fundo Kayapó apoia pela primeira vez seis organizações de atuação local: Associação Angrokrere, Ngonh Rorokre, Pore, Pykôre, Associação Mekragnotire Sul (AMS) e Associação Cultural Kapot Jarina (ACKJ). Cada uma delas elaborou um projeto e submeteu ao edital, que garantiu o aporte de R$100.000,00 a cada iniciativa para este ciclo que apresenta seus resultados finais em 2026.
Para que os projetos sejam selecionados e recebam os investimentos previstos para sua execução, é preciso traduzir as necessidades da comunidade para o formato dos editais, adequando expectativas às justificativas, objetivos, atividades, estimativas orçamentárias, etc. Não se trata de linguagem simples de dominar, nem de tarefa simples de executar, pelo contrário: a complexidade das dinâmicas financeiras e burocráticas dos financiamentos quando atravessadas por questões internas de organização sociopolítica de um determinado povo ou comunidade, por exemplo, podem comprometer o desenvolvimento do projeto.
É aí que entra o trabalho da consultoria da REMAR neste 5º ciclo do Fundo Kayapó. Especializada em transformar as necessidades dos povos e comunidades tradicionais em projetos executáveis, a assessoria presta suporte contínuo às organizações construindo sentido entre as ideias, atividades e entregas.
A mentoria da REMAR acompanhou as organizações kayapó que inscreveram projetos locais em todas as etapas de gestão, desde a leitura dos termos contratuais, passando pela administração de receitas, definição de equipe, suporte para aquisição de materiais até a implementação das decisões coletivas e a consolidação de uma governança capaz de gerir recursos, processos e fluxos. “O desafio é fazer com que as organizações atendam às exigências formais de um termo de referência, e ao mesmo tempo possam reforçar o vínculo comunitário”, explica Jaqueline Sicupira, uma das coordenadoras da REMAR.
Com o objetivo de contribuir para o protagonismo das organizações locais a partir de uma abordagem inspirada na educação popular, a assessoria propõe espaços formativos de diálogo entre as demandas burocráticas e os tempos e modos de fazer das organizações indígenas. “Trabalhamos com o aprendizado descomplicado, trazendo conceitos de gestão adaptados à realidade dos territórios. É uma forma de ensinar sem impor, respeitando a lógica de organização de cada povo”, afirma Rejane Andrade, também coordenadora da REMAR.
A metodologia inclui analisar as experiências e os impactos das atividades do projeto com mentorias semanais online e módulos presenciais de formação, como o último que aconteceu em Marabá (PA). “Nosso papel é acompanhar, escutar e traduzir os aspectos técnicos para a realidade local. A mentoria é sobre diálogo, não sobre imposição de modelos”, resume Jaqueline.
A cartilha Tecendo Projetos: associações indígenas no protagonismo da elaboração e gestão de seus projetos, elaborada em 2023 através do programa REM MT – Subprograma Territórios Indígenas com apoio do Fundo Kayapó foi construída em colaboração dos representantes das organizações e lideranças indígenas que participaram das oficinas, com linguagem acessível e referências visuais das próprias aldeias. “Queríamos que a comunidade se visse no material, não apenas que entendesse a técnica.”, pontua Jaqueline.
O trabalho de mentoria tem permitido às lideranças Kayapó se apropriarem do conceito de fundo — não apenas como mecanismo financeiro, mas como instrumento político de autodeterminação. Ainda que a metodologia participativa esteja voltada ao bloco Kayapó como um todo, a diversidade é um fator importante durante o processo da mentoria. Cada aldeia ou terra indígena tem uma forma distinta de compreender processos de gestão e participação. “Mesmo sendo o mesmo povo Kayapó, a compreensão muda de um lugar para outro de acordo com os contextos locais.”, complementa Rejane.
Cada oficina, reunião ou acompanhamento técnico representa um passo para que as lideranças Kayapó consolidem sua capacidade de planejar, executar e gerir recursos com independência e intercâmbio com seus modos e tempos de fazer. Nesse sentido, a mentoria é uma ferramenta para que as lideranças indígenas decidam seus caminhos com narrativas próprias. O fortalecimento de uma lógica que acolha as epistemologias indígenas amplia a eficiência dos projetos, sendo uma flecha para que o futuro dos territórios seja decidido por quem melhor o conhece — seus próprios guardiões.
