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Aldeias saudáveis e sustentáveis: promovendo o bem-viver e a proteção ambiental nas terras kayapó
Pode-se dizer que as sociedades indígenas, desde os tempos imemoriais, podem ser compreendidas como modelos originários de sustentabilidade, no sentido mais integral do termo. Detentores de conhecimento tradicional, os povos indígenas desenvolveram, ao longo de milênios, técnicas de manejo dos recursos naturais e dos ciclos ecológicos, sempre em consonância com os ritmos da floresta e da vida.
As cosmologias indígenas entendem o meio ambiente e a si próprios como um organismo vivo e integrado, sem separação entre indivíduo e natureza. Entre os mebêngôkre, assim como entre outros povos indígenas, os resíduos eram tradicionalmente tratados com base em conhecimentos empíricos, sendo enterrados, queimados e assim reintegrados à natureza de forma cíclica — pois tudo o que era produzido ou descartado vinha da própria floresta e retornava a ela, em um fluxo natural de regeneração. Processos e técnicas que resultaram nas chamadas “terras pretas”, solos férteis e ricos em materiais arqueológicos, que comprovam a ocupação da Amazônia por sociedades complexas há mais de 6.000 anos.
O avanço do consumo de produtos industrializados nas comunidades indígenas, impulsionado pela maior inserção em circuitos econômicos e pelo acesso a recursos de políticas públicas e programas de renda, trouxe um novo desafio: o acúmulo e a gestão de resíduos sólidos. Embalagens plásticas, vidro, metais, isopor e pilhas, sem sistemas adequados de coleta e destinação, acumulam-se nas aldeias, contaminam o solo, afetam árvores frutíferas e se bioacumulam na cadeia alimentar, expondo as populações a agentes químicos e metais pesados com riscos à saúde e ao equilíbrio ecológico. Diante disso, políticas públicas e iniciativas comunitárias de manejo de resíduos tornam-se estratégicas para proteger a saúde coletiva e a biodiversidade.
O projeto Aldeia Limpa é uma das iniciativas voltadas especificamente à gestão dos resíduos sólidos nas aldeias, propondo ações integradas atuando desde a redução na geração e conscientização sobre o consumo até a segregação, transporte e destinação final adequada dos materiais. Combinando educação ambiental e formação de multiplicadores locais com foco na transformação do manejo de resíduos em um processo contínuo de aprendizado e autonomia, promovendo saúde coletiva, preservação ambiental e o bem viver das comunidades. No âmbito do 5º ciclo de investimentos do Fundo Kayapó, as ações voltadas à gestão ambiental e ao manejo de resíduos sólidos receberam um aporte financeiro de R$ 82.951,50. Esse recurso é fundamental para viabilizar as primeiras etapas da iniciativa, assegurando infraestrutura básica, logística de campo e apoio técnico necessário à realização das atividades previstas. Trata-se do início de um longo e árduo processo de conscientização e implementação de práticas sustentáveis, que exigirá o engajamento contínuo das comunidades, parcerias interinstitucionais e investimentos complementares ao longo do tempo. A construção de soluções duradouras para o problema do lixo nas Terras Indígenas passa por um esforço coletivo de transformação cultural, fortalecimento da governança local e conexão com políticas públicas mais amplas de saneamento e meio ambiente.
A iniciativa integra o projeto estruturante Apjêtkere, da Associação Floresta Protegida (AFP), uma das principais organizações mebêngôkre e parceira do Fundo Kayapó há mais de dez anos.
“Lideranças, mulheres e jovens reconhecem que o lixo é um problema crescente e demonstram abertura para adotar práticas que façam sentido no dia a dia da comunidade. Os materiais didáticos, as dinâmicas e, principalmente, as atividades práticas e coletivas fazem a diferença nesse processo, aproximando o conteúdo da realidade local e fortalecendo a troca entre saberes tradicionais e orientações técnicas.”, explica Thiago Schinaider, Coordenador Executivo da Associação Floresta Protegida (AFP).
A primeira oficina de 2025 foi realizada na aldeia Krwanhongo, T.I. Kayapó, entre 2 e 5 de setembro e contou com a participação de jovens, lideranças e moradores locais. Focada na troca de experiências e na busca por soluções conjuntas, a proposta do projeto é criar um sistema comunitário de manejo de resíduos que envolva desde a redução do consumo de embalagens e produtos industrializados até a separação e destinação adequada do lixo reciclável, orgânico e perigoso.
A aplicação metodologia da Árvore de Problemas e de Objetivos, iniciou-se com um diagnóstico participativo conduzido pelas próprias comunidades, que identificaram os principais impactos do acúmulo de resíduos: como a contaminação do solo, água e ar, aumento de doenças, mau cheiro, riscos de acidentes e proliferação de vetores de doença. Com base nesse diagnóstico, os objetivos foram definidos coletivamente, apontando caminhos importantes como: a educação ambiental, construção de infraestrutura adequada, apoio logístico para transporte dos resíduos e maior articulação com órgãos públicos, visando a construção de políticas públicas e parcerias que garantam soluções de longo prazo.
A longo prazo, a Associação Floresta Protegida (AFP) pretende apoiar a criação de planos próprios de gestão de resíduos e formar multiplicadores locais, além de ampliar parcerias com prefeituras, órgãos de saúde, educação e a FUNAI, para que a iniciativa se integre ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos dentro dos territórios indígenas. Nesse sentido, o coordenador da AFP explicou que no entendimento da associação, o compromisso de administrar os resíduos é uma obrigação legal dos municípios, dos estados e da União. “O objetivo é articular e fortalecer parcerias, mas sempre garantindo que as comunidades tenham protagonismo no processo e que os órgãos públicos assumam suas responsabilidades.”, declarou Schinaider.
Com apoio comunitário, investimentos, políticas públicas e fortalecimento da participação indígena, as ações de formação de gestão participativa de resíduos sólidos em territórios indígenas reforçam a questão do lixo como estratégia de proteção da floresta e da saúde de seus guardiões.
Criada em 1998, a Associação Floresta Protegida (AFP) é uma organização indígena representativa do povo Mebêngôkre-Kayapó, com atuação nas Terras Indígenas Kayapó, Las Casas e no nordeste da Terra Indígena Menkragnoti, localizadas no sul do Pará. A AFP atualmente representa aproximadamente três mil indígenas, organizados em 43 aldeias, e tem como missão proteger os territórios tradicionais, fortalecer a autonomia das comunidades e garantir os direitos dos povos indígenas, sempre respeitando os modos de vida, a cultura e as decisões das lideranças.
A atuação da AFP está estruturada em quatro eixos estratégicos: Cultura e Conhecimento; Atividades Produtivas e Geração de Renda; Monitoramento Ambiental e Territorial e Fortalecimento Institucional e Político.
“A Associação Floresta Protegida é a nossa organização. Foi criada por nós, lideranças Mẽbêngôkre, para proteger nosso território, defender nossos direitos e fortalecer nossas aldeias. Através dela, fazemos projetos de vigilância, combate ao fogo, educação, saúde, turismo e geração de renda, sempre respeitando nossa cultura e a decisão das lideranças.” Pàtkore Kayapó, Presidente da AFP.
Os recursos destinados ao 5º Ciclo do Fundo Kayapó são provenientes de doações do Fundo Amazônia, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e da Conservação Internacional Brasil e têm o FUNBIO como gestor financeiro.
