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ARPA Comunidades e o protagonismo local na conservação da Amazônia
Com mais de duas décadas de atuação, o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) segue sendo uma peça-chave para a conservação de mais de 60 milhões de hectares de florestas no Brasil. Agora, o programa ganha uma nova iniciativa, o ARPA Comunidades, oficializado em junho de 2025 por meio do decreto nº 12.484/2025, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida representa um marco: pela primeira vez, o programa poderá investir diretamente nas comunidades que vivem dentro de Unidades de Conservação de uso sustentável, como Reservas Extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
Esse decreto amplia o ARPA, permitindo agora apoio direto a 60 unidades de conservação de uso sustentável, que abrangem cerca de 23 milhões de hectares habitados por mais de 130 mil pessoas, com execução prevista até 2040, contando com mais de USD 100 milhões em doações e envolvimento comunitário – especialmente por associações e cooperativas locais.
A Secretária Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Rita Mesquita, destaca o papel do ARPA na conservação da Amazônia, os desafios enfrentados ao longo do caminho e as perspectivas para o futuro diante da nova fase.
ARPA completa mais de 20 anos como o maior programa de áreas protegidas do mundo. Na sua visão, qual é o papel do programa hoje na estratégia de conservação da Amazônia e na proteção da biodiversidade brasileira?
O ARPA tem como um de seus principais impactos o fato de que investimentos na consolidação de unidades de conservação promovem um diferencial na efetividade desses espaços para a conservação da biodiversidade. Isso é mais importante até do que a categoria de proteção. Quando comparamos UCs de uma mesma categoria que receberam ou não recursos para sua gestão, verificamos que há uma diferença significativa. Assim, o investimento permite aprimorar os processos de gestão e assegurar a conservação no longo prazo para todas as categorias, sejam elas de proteção integral ou de uso sustentável.
Ao incluir UCs federais e estaduais, ele permite a integração da gestão e um melhor planejamento conjunto, o que tem se mostrado muito importante para a Amazônia. Um dos principais componentes do ARPA é o fortalecimento dos conselhos gestores, que precisam estar em plenas condições de funcionamento para que haja participação da sociedade e o devido controle social.
O recente decreto assinado pelo presidente Lula traz uma mudança histórica ao permitir que o ARPA apoie diretamente as comunidades. O que essa mudança representa para o futuro da conservação?
Essa é uma dívida histórica que precisa ser paga por todos os projetos que se propõem a atuar na Amazônia. É reconhecer o papel das comunidades na conservação da floresta e dos seus recursos naturais, e entender que os modos tradicionais possuem um valor intrínseco que precisa ser potencializado como alternativa de bem viver e de convivência com a natureza.
O ARPA inova ao quebrar o ciclo histórico de paternalismo sobre a autodeterminação dessas comunidades. Agora elas poderão definir as prioridades de investimento dos recursos da conservação. Será um ciclo importante de aprendizagem para todos, pois vai exigir novos espaços de planejamento integrado e conciliação de diferentes interesses. Mesmo com recursos limitados, o bom investimento multiplica os impactos positivos. Essa nova fase tem potencial para construir muita inovação na gestão compartilhada entre órgãos gestores e a sociedade.
Quais foram os principais desafios e aprendizados até que esse avanço fosse possível? E por que essa mudança ocorre justamente agora?
Acredito que houve uma mudança na compreensão dos doadores: investir nas comunidades é uma boa forma de assegurar a manutenção da floresta e da biodiversidade. Essas comunidades sempre foram aliadas da gestão efetiva, mas raramente tiveram participação na tomada de decisões.
Foram 20 anos tentando implementar um sistema de áreas protegidas amparado pela Lei do SNUC. Isso ajudou tanto gestores quanto comunidades a entenderem a importância das salvaguardas nos espaços protegidos — em muitas regiões, são os últimos fragmentos de biomas que quase desapareceram. Garantir os territórios da conservação com as pessoas é também uma forma de justiça social e de combate às desigualdades gritantes que ainda existem.
A Amazônia é diversa, com muitas realidades. Como o ARPA tem buscado se adaptar a essa complexidade, especialmente agora com o apoio direto às comunidades?
A gestão das unidades de conservação deve ser sempre adaptativa. Cada ciclo traz aprendizados. Por isso, os planos de manejo precisam ser constantemente revisados, e os resultados, avaliados.
A participação social em sentido amplo — envolvendo comunidades, academia, poder público local e setores interessados — permite considerar as diferentes realidades e enfrentar os desafios específicos de cada território. Também torna as avaliações mais justas e independentes.
Mesmo assim, há espaço para aprimorar processos antigos e os novos componentes do programa. Espero que essa nova fase traga um olhar mais apurado sobre o monitoramento dos impactos das ações implementadas, com participação ativa dos conselhos gestores. Isso vai fortalecer a tomada de decisão e ampliar os benefícios no futuro.
Olhando para frente, quais são os principais desafios e prioridades do ARPA? E como isso se articula com os compromissos internacionais do Brasil, como a COP30?
A mudança do clima está tendo um impacto real e abrangente na Amazônia. E os principais afetados são os moradores da Amazônia profunda. Isso exige de todos nós uma aprendizagem sobre como conviver com esse novo normal — que é incerto e desconhecido. Mas as comunidades guardam um conhecimento muito importante para enfrentar essas mudanças.
Nossos planos e projetos para áreas protegidas — sejam eles de natureza conservacionista, econômica ou social — precisarão ser construídos coletivamente, considerando uma Amazônia em transformação. Ao mesmo tempo, vejo com otimismo os investimentos para ampliar o número de UCs. Isso vai permitir mais conservação da biodiversidade, mais inclusão de comunidades e mais reconhecimento territorial. Manter a floresta em pé é a melhor solução que temos para enfrentar a mudança do clima e a crise da biodiversidade.
O ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia é um projeto do Governo do Brasil, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e tem o FUNBIO como gestor e executor financeiro. É financiado com recursos de doadores internacionais e nacionais, entre eles o governo da Alemanha por meio do Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW), o Global Environment Facility (GEF) por meio do Banco Mundial, a Fundação Gordon and Betty Moore, a AngloAmerican e o WWF.