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As árvores e insetos que podem ajudar na recuperação do Rio Doce
O Rio Doce foi palco de um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil. Com o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, Minas Gerais, toneladas de rejeitos contaminaram o curso d’água em 2015. Dez anos depois, diferentes iniciativas ainda buscam caminhos para recuperar a região. As pesquisadoras Ana Carolina Martins, doutoranda da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e Larissa Moreira, doutoranda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estão entre as que se debruçam sobre a saúde dessa bacia hidrográfica. Ambas são apoiadas pelo Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro em suas empreitadas, selecionadas nas edições de 2024 e 2021, respectivamente, e apresentaram seus estudos durante o 1º encontro de bolsistas em solo mineiro.
A lama de rejeitos químicos decorrente do rompimento da barragem afetou não apenas o rio, mas suas margens, a vegetação e o solo. Algumas espécies de árvores nativas, entretanto, mostraram-se mais resistentes e conseguiram se manter na área. Uma delas é a embaúba (Cecropia glaziovii), que pode ser a peça-chave para liderar iniciativas de restauração florestal na região, como aponta a pesquisa de Ana Carolina.
Embaúbas são consideradas plantas pioneiras, ou seja, que conseguem se estabelecer e crescem rápido mesmo sob condições mais desfavoráveis de exposição solar e pobreza de nutrientes. Durante uma expedição de campo realizada a distritos de Mariana, os pesquisadores identificaram um local, às margens do rio Gualaxo do Norte – que faz parte da bacia do Rio Doce e foi atingido pelos rejeitos – com uma grande quantidade de embaúbas.
“Esse momento de campo deu início a alguns questionamentos, e nos propomos a responder se a embaúba, vista em abundância na área, além de sobreviver e se estabelecer nesses locais degradados, também ajuda outras espécies a se desenvolverem no local, e se sim, de que forma isso acontece”, conta a pesquisadora da UFV.
Para fazer isso, Ana irá analisar imagens de satélite, para observar como a floresta mudou antes e depois do desastre; investigar em campo dois fragmentos do rio Gualaxo do Norte, nos municípios mineiros de Furquim e Monsenhor Horta, para caracterizar a vegetação e correlacionar com a presença das embaúbas; e por último fazer experimentos laboratoriais para entender como as embaúbas afetam as dinâmicas e nutrientes do solo e se isso pode facilitar a chegada de novas plantas.
Os dados coletados por ela podem revelar soluções, dentro da própria biodiversidade nativa do local, para recuperação da bacia do Rio Doce, otimizando tempo e recursos.
“Descrever como indivíduos de Cecropia glaziovii atuam sobre a estrutura e dinâmica da vegetação local pode confirmar o uso dessa espécie como uma espécie chave no processo de recuperação do rio Doce e seus afluentes. Atuando como um personagem importante no processo de reestruturação e restauração de áreas degradadas e atingidas pelos impactos humanos na natureza”, aponta a bióloga.
Mais do que responder a perguntas científicas, Ana espera que seus resultados possam trazer “soluções aplicáveis nos esforços de restauração do rio Doce, e que possam ser replicadas em outros contextos de áreas degradadas pela mineração”.
A recuperação da vegetação na borda de um rio tem uma relação direta com a saúde do rio. Essa interação entre ecossistemas aquáticos e terrestres é o foco da pesquisadora Larissa Moreira, da UFMG. Ela olha, entretanto, para seres bem menores, que às vezes passam despercebidos pelas pessoas, mas desempenham um papel fundamental no equilíbrio ecológico: os insetos aquáticos. Esses pequenos seres, além de contribuírem para a ciclagem de nutrientes, são bioindicadores da qualidade da água.
Seu estudo se debruça sobre uma ordem em particular, os tricópteros. Esses insetos iniciam sua vida na água, como larvas, e ficam no ambiente aquático durante toda fase de casulo. Quando atingem a maioridade, ganham asas, como pequenas mariposas, e passam a viver no ecossistema terrestre, na beira de rios. Nesse momento, viram alimento para animais terrestres, como aves, morcegos e aranhas. A redução desses insetos gera um efeito dominó de desequilíbrios, como explica a pesquisadora.
“A bacia do Rio Doce foi muito afetada pelo rompimento da barragem, tivemos instantaneamente a perda de várias espécies: insetos, peixes, organismos aquáticos. E também perdemos muito da vegetação nas margens. Se eu diminuo a quantidade de folhas que caem no rio, você diminui a quantidade de comida para essas larvas, que podem ter uma biomassa menor ou uma qualidade nutricional não tão boa. Então vamos ter menos recursos saindo do ecossistema aquático e indo pro ecossistema terrestre e sendo disponibilizado para esses predadores”, explica Larissa.
Durante a pesquisa, a bióloga foi a campo em cinco municípios mineiros ao longo da bacia do Rio Doce, incluindo Mariana, com um total de 30 pontos de coleta, uma metade em áreas impactadas e a outra em locais preservados, de referência. Em duas campanhas de 40 dias, uma em 2022 e outra em 2023, foram coletados cerca de 160 mil insetos, metade deles da ordem Trichoptera.
Atualmente na fase final de análise de dados, a doutoranda já contabilizou aproximadamente 160 espécies de tricópteros na bacia do Rio Doce. Uma diversidade muito alta que mostra que “por mais que o ambiente esteja super impactado, esse rio respira, ele está vivo”, exalta Larissa.
A análise da biomassa de insetos aquáticos – que incluem espécies de outras três ordens – revelou que não há diferença na biomassa que está eclodindo das águas para alimentar predadores em terra. Um olhar mais aproximado sobre um dos gêneros de tricópteros, chamado Smicridea, descobriu que os adultos dessas espécies presentes em ecossistemas impactados pelos rejeitos são menores e com um peso menor do que nos ambientes de referência. “De alguma forma, os rejeitos estão impactando o desenvolvimento dessa larva”, pontua a bióloga.
Larissa está atualmente na Suíça, graças aos recursos do Bolsas FUNBIO, para analisar a qualidade nutricional desses insetos, que possuem ácidos graxos poli-insaturados e são fontes importantes de ômega 3 e 6 para os predadores terrestres, essenciais para o desenvolvimento cerebral e fisiológico de aves e morcegos.
“Graças ao FUNBIO eu consegui desenvolver essa pesquisa, estar em campo, fazer as coletas e estar agora na Suíça fazendo essas análises dessa qualidade nutricional, que ainda não temos no Brasil. Isso só foi possível com o apoio do FUNBIO”, ressalta.
Os resultados da pesquisa irão indicar quais os pontos do Rio Doce que precisam de mais atenção, que estão sob ameaça de pressões como a própria mineração ou que exigem alguma estratégia de recuperação. “Entendendo onde estão esses bichos e a qualidade dos ambientes, consigo direcionar esforços para ambientes comprometidos e ambientes que precisam de alguma ação para mantê-los porque são berçários de biodiversidade. Porque, quando o rio Doce for recuperado, vai ser dali, desse rio que está conservado agora, que esses bichos vão de novo conseguir colonizar o rio Doce quando ele estiver habitável”, completa a doutoranda.
