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Os impactos da fragmentação do Cerrado na saúde dos lobos-guarás
Com suas pernas longas e pelagem laranja, o lobo-guará é um dos símbolos do Cerrado. E foi ainda na infância que a figura do animal conquistou o biólogo Luan de Jesus Matos de Brito. Seu primeiro contato com a espécie veio aos 12 anos, enquanto ele participava do projeto Agente Ambiental Mirim no Parque Vida Cerrado, um pequeno zoológico na sua cidade natal na Bahia, Luís Eduardo Magalhães. “Eu era absolutamente fascinado pelo lobo-guará, todas as minhas produções giravam em torno da espécie”, lembra o pesquisador, hoje doutorando da Universidade Federal de Viçosa (UFV) em Biologia Animal.
Mais de dez anos se passaram, mas o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) permaneceu no centro da vida de Luan, que fez da espécie seu objeto de pesquisa. Primeiro com um estudo sobre o comportamento sexual das fêmeas de lobo-guará, depois buscou entender diferenças na personalidade dos lobos e atualmente, no doutorado, tenta entender como a espécie é impactada pela transformação e fragmentação do Cerrado. Seu foco é a região do MATOPIBA, acrônimo dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde a fronteira agrícola avançou voraz sobre o bioma.
“Vivendo no coração do MATOPIBA, uma das regiões de maior expansão agrícola do país, comecei a observar o impacto crescente das lavouras sobre os ambientes naturais e, consequentemente, sobre o lobo-guará. A pergunta então se impôs com clareza: como essa espécie sobrevive em um território cada vez mais moldado pela agricultura?”, indaga o pesquisador que conta com o apoio do Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, por meio do Fonseca Leadership Program (Programa Fonseca de Liderança, em tradução livre), na busca por essas respostas.
A pesquisa irá investigar a saúde das populações nos municípios Luís Eduardo Magalhães e Barreiras, na Bahia, e na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, em Minas Gerais, analisando os níveis de estresse dos indivíduos e os efeitos da fragmentação na diversidade genética. Além disso, a partir das fezes, Luan vai mapear a alimentação dos lobos e entender se é possível que eles estejam sendo atraídos para áreas de lavoura em busca de roedores – um dos itens possíveis em seu amplo cardápio onívoro. Caso isso se confirme, isso irá revelar mais um serviço ecossistêmico prestado pelo animal: o controle populacional de pragas em plantações e no entorno de sítios.
Localizado no oeste da Bahia, o município de Luís Eduardo Magalhães, considerado capital do MATOPIBA, está inserido num contexto extremamente antropizado e fragmentado, com a paisagem dominada pela agricultura. Há cerca de 900 quilômetros em linha reta ao sul, está a RPPN Santuário do Caraça, no município mineiro de Catas Altas, onde remanescentes de vegetação nativa seguem de pé graças à área protegida particular, com cerca de 10 mil hectares de extensão.
“Se comprovarmos que são duas populações geneticamente distintas, temos um problema porque significa que as barreiras da agricultura podem estar impedindo o fluxo gênico entre essas populações”, contextualiza. A perda da diversidade genética de uma espécie como consequência do isolamento pode tornar os animais mais suscetíveis à doenças e menos capazes de lidar com situações adversas.
A área de vida de um lobo-guará pode ter até 2 mil hectares. Em todo o oeste da Bahia estima-se que existam apenas 8 indivíduos. Enquanto isso, apenas na região do Santuário do Caraça há 4 indivíduos.
Com recursos da bolsa do FUNBIO o pesquisador financiará os trabalhos de campo, que começaram em maio e seguirão até junho de 2026, para coletar amostras de fezes do lobo, a partir das quais serão feitas análises hormonais – para avaliar o estresse –, de alimentação e genética.
“Ao investigar aspectos como comportamento, personalidade, estresse fisiológico e genética de populações de lobos-guarás em paisagens fragmentadas, estou buscando entender como esses animais estão lidando com as mudanças drásticas em seus habitats.
Mas, mais do que isso, meu objetivo é gerar dados e conhecimento que possam subsidiar estratégias concretas de conservação”, resume Luan.
A espécie é classificada nacionalmente pelo ICMBio como vulnerável ao risco de extinção. A principal ameaça é justamente a conversão de áreas naturais pela ação humana, principalmente para expansão agrícola. Atropelamentos, conflitos com humanos e doenças transmitidas por animais domésticos completam a lista de desafios à conservação dos lobos-guarás no Brasil.
Com os dados de sua pesquisa, o doutorando espera contribuir para a conservação da espécie, orientando políticas públicas e medidas de mitigação junto ao setor agrícola, além de fortalecer o papel das RPPNs e outras áreas protegidas como guardiãs da biodiversidade.
“Mais do que buscar respostas, desejo oferecer subsídios concretos para estratégias de conservação, não apenas para o lobo-guará, mas também para outros carnívoros que compartilham o mesmo espaço e enfrentam os mesmos desafios ecológicos”, ressalta o pesquisador.
Carnívoro de topo de cadeia, o lobo-guará é uma espécie-chave para manutenção dos ambientes do Cerrado e pode ser também uma bandeira pela conservação do bioma. “Proteger essa espécie é proteger todo um conjunto de relações ecológicas e a conservação do bioma como um todo”, defende o biólogo.
“No fim das contas, acredito que a ciência que eu produzo só tem valor se puder ser aplicada em prol da natureza. E é isso que me move: transformar conhecimento em ação, e fazer com que o sonho do menino de 12 anos, apaixonado por lobos-guarás, continue inspirando caminhos reais para proteger a nossa biodiversidade”, completa Luan.
