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Saberes da comunidade conservando a floresta
Na Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, no Acre, a mobilização comunitária tem sido essencial para consolidar a proteção da floresta. Alcinei Cerqueira Maia, o Nenzinho, é um comunitário da própria reserva que se tornou gestor da Unidade, representando uma liderança que inspira transformação a partir de dentro do território.
“É um privilégio fazer parte da equipe gestora de um território que ajudei a construir desde o início”, afirma Nenzinho. “Estamos colhendo os frutos de um trabalho coletivo, mas também enfrentando muitos desafios para garantir que as políticas públicas cheguem a quem vive e protege a floresta todos os dias.”
Criada em 2002, com cerca de 750 mil hectares nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano (AC), a Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema abriga aproximadamente 400 famílias extrativistas. A coleta da castanha-do-brasil, borracha, mel, açaí e o cultivo de roçados garantem renda e segurança alimentar às comunidades. Ao longo dos anos, a RESEX se consolidou como exemplo de organização comunitária, inovação social e proteção dos modos de vida tradicionais.
Com apoio do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), a unidade avançou no fortalecimento institucional e na implementação de ações estruturantes. A assinatura do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), em 2023, representou uma importante conquista para as famílias, garantindo segurança jurídica sobre o uso coletivo da terra e viabilizando o acesso a políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável.
Gestão comunitária e conservação
A partir do fortalecimento das associações locais e de capacitações técnicas, a RESEX tem investido na valorização dos saberes tradicionais e na gestão integrada do território. Em abril de 2025, um novo ciclo de políticas públicas resultou na liberação de R$ 1,3 milhão em créditos do Incra, voltados à infraestrutura produtiva, recuperação ambiental e fortalecimento da agricultura familiar.
Paralelamente, a reserva desenvolve ações de monitoramento participativo da biodiversidade, com foco na coleta sustentável da castanha-do-brasil. Em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e o ICMBio, moradores participam da implementação de protocolos de manejo que conciliam conservação da floresta e geração de renda. “Nosso trabalho tem o compromisso de garantir que as futuras gerações encontrem um castanhal produtivo e uma floresta viva”, afirma Nenzinho.
Juventude e permanência no território
Um dos principais desafios para a continuidade do modelo extrativista é a permanência dos jovens no território. O gestor destaca que muitos estudantes enxergam a vida fora da Unidade como a única alternativa. Quando falamos da importância da floresta em pé, eles perguntam: essa riqueza é para quem?”
O líder comunitário Nenzinho defende a criação de uma escola técnica com foco no extrativismo e no empreendedorismo sustentável, baseada na Pedagogia da Alternância, em que os jovens dividem o tempo entre a escola e a comunidade. “Ao final de quatro anos, o jovem sairia com ensino médio técnico e um plano de negócio familiar, com autonomia e perspectiva de futuro no território.”
Planos de manejo com escuta e protagonismo comunitário
A realidade vivida na RESEX Cazumbá-Iracema também se reflete em outras Unidades de Conservação da Amazônia. Para Ana Cláudia Leitão, gestora da RESEX Canutama, no Amazonas, e articuladora dos planos de manejo em várias RESEX e RDS do estado, os avanços na consolidação desses instrumentos de gestão estão diretamente ligados ao envolvimento das comunidades.
“A participação comunitária tem sido fundamental tanto na elaboração quanto na aplicação dos planos de manejo. Quando os saberes tradicionais, os modos de vida e as prioridades locais são considerados, o plano se torna um instrumento mais legítimo e aplicável à realidade”, afirma Ana Cláudia.
Apesar dos desafios estruturais, a gestora destaca que o apoio do ARPA tem sido decisivo para promover capacitações locais, consolidar parcerias com organizações da sociedade civil e estimular alternativas econômicas sustentáveis. “Os investimentos em formação e geração de renda dentro das UCs fortalecem o comprometimento das comunidades com a conservação e promovem maior protagonismo na gestão dos territórios.”
Segundo ela, o fortalecimento dos conselhos gestores e a realização de oficinas participativas têm ampliado a adesão às diretrizes dos planos de manejo, impulsionando a governança e contribuindo para a regularização fundiária.
Transformação pela liderança local
Na experiência de Ana Cláudia, quando as comunidades passam a liderar os processos de proteção ambiental, há uma mudança visível no território. “Há maior engajamento na fiscalização, fortalecimento das práticas tradicionais e mais autonomia nas decisões. Isso valoriza a cultura local e fortalece a organização social.”
Ela destaca que esse protagonismo também garante continuidade das ações, mesmo diante de mudanças na gestão pública. “As comunidades se tornam guardiãs da floresta não apenas por vocação, mas porque reconhecem que seu modo de vida está diretamente ligado à saúde do território.”
Experiências como essas mostram que, ao fortalecer o protagonismo comunitário e investir na valorização dos conhecimentos tradicionais, o ARPA contribui para consolidar um modelo de conservação que une proteção ambiental e justiça social.
Caminhos para o fortalecimento das UCs
Experiências como a da RESEX Cazumbá-Iracema e Canutama reforçam que a conservação da Amazônia está diretamente ligada ao fortalecimento das populações tradicionais. O Programa ARPA atua para garantir que essas comunidades tenham acesso a recursos, capacitação técnica e instrumentos de gestão que respeitem sua autonomia e seus modos de vida.
Por meio de ações articuladas entre poder público, sociedade civil e comunidades locais, a RESEX segue consolidando um modelo de desenvolvimento que une justiça social e conservação ambiental. “A gente está no caminho certo. Mesmo que não seja fácil, estamos construindo um futuro com floresta viva e gente dentro”, conclui Nenzinho.
O ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia é um programa do Governo do Brasil, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e tem o FUNBIO como gestor e executor financeiro. É financiado com recursos de doadores internacionais e nacionais, entre eles o governo da Alemanha por meio do Banco de Desenvolvimento da Alemanha (KfW), o Global Environment Facility (GEF) por meio do Banco Mundial, a Fundação Gordon and Betty Moore, a AngloAmerican e o WWF.